Nessa carta, manifesta-se a indignação perante a falta de transparência e os diversos constrangimentos verificados ao longo de todo o processo, desde a não divulgação pública das provas e dos critérios de correção, à impossibilidade de consulta por parte dos alunos e professores, até às dificuldades técnicas na plataforma de reapreciações.
Expressa-se também a preocupação pelo impacto negativo que esta situação teve nos alunos, nos professores e nas famílias, bem como o receio quanto à possível extensão destes procedimentos ao Ensino Secundário, onde estarão em causa decisões determinantes para o futuro académico dos jovens.
Considerando a relevância destas questões para toda a comunidade educativa, partilhamos convosco esta tomada de posição, que visa defender a transparência, a justiça e o direito dos alunos a um processo de avaliação claro e pedagógico.
Excelência,
Dirijo-me a Vossa Excelência para expressar a minha indignação perante todo o processo que envolveu as Provas Finais de Ciclo de Matemática e de Português.
A informação, em comunicado de 18 de julho de 2024, mencionando que as Provas Finais de Ciclo seriam não públicas, gerou um certo desconforto por ser inédito uma avaliação de caráter nacional com incidência na avaliação final de ciclo dos alunos não vir a ser passível de verificação, quer quanto ao rigor científico, ou ao rigor na avaliação, após a sua aplicação. Questionou-se, então, como é que uma prova não pública poderia ser “um instrumento ao serviço das escolas e dos professores, robustecendo o diagnóstico e a identificação atempada de áreas a melhorar”, conforme referido no documento mencionado.
Posteriormente, face ao desconhecimento absoluto das provas aplicadas e respetivos critérios, o desconforto inicial transformou-se em indignação pela falta de transparência, inaceitável numa sociedade democrática em que se exige, e bem, essa mesma transparência aos cidadãos, nomeadamente em matérias fiscais e empresariais.
Indignação por se verem os Professores impedidos de fazer uma adequada reflexão sobre os resultados para consequente alteração de estratégias com vista à melhoria de aquisição de competências pelos alunos, menorizando todo o seu esforço e trabalho, impedimento que se estende à já mencionada aferição do rigor científico pelas reconhecidas Associações de Professores de Português e de Matemática.
A justificação dada para as provas serem de caráter não público ser a de “valorizar a comparabilidade entre provas” pois “permite construir tendências sobre a aprendizagem dos alunos” ao “utilizar sensivelmente os mesmos itens de ano para ano, ou pelo menos itens âncora”, assemelha-se à prática docente que se vê perante diferentes turmas do mesmo nível e tem que preparar avaliações que permitam verificar as aprendizagens dos alunos com equidade: para isso, recorre a “itens âncora” e nem por isso o conhecimento de tais avaliações se vê sonegado aos alunos, pais e/ou encarregados de educação.
Indignação por se verem os alunos, razão de ser de todos nós, Educadores, impedidos de perceberem onde cometeram erros e aprenderem a superá-los, numa clara contradição com o previsto no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória que, no segundo parágrafo do seu Prefácio diz, cito, “Perante os outros e a diversidade do mundo, a mudança e a incerteza, importa criar condições de equilíbrio entre o conhecimento, a compreensão, a criatividade e o sentido crítico. Trata-se de formar pessoas autónomas e responsáveis e cidadãos ativos.”, porque as entidades responsáveis, Júri Nacional de Exames e Ministério da Educação, não disponibilizam as provas realizadas para consulta.
A receção dos resultados, com considerável atraso, que trouxe consigo um sentimento de vergonha alheia pois em décadas de ensino nunca tal havia acontecido, deixando Pais, Alunos e Professores numa ansiedade desnecessária, trouxe igualmente um misto de indignação e revolta pela ausência de equidade nas reapreciações automáticas previstas no Despacho Normativo n.º 2-A/2025, de 3 de março p.p., Artigo 23º, número 5, alíneas a) e b) e ao não ter sido feita uma verificação final das avaliações cuja mudança de nível corresponderia a um ponto percentual, gerando resultados como 49%, 69% e 89%, reduzindo os alunos a um número, a uma estatística, impossibilitados de perceber onde se terá perdido esse ponto percentual.
Pergunto: um aluno com 49%, 69% ou 89% não merece igualmente que a sua prova seja revista, independentemente de alterar ou não a sua avaliação final? Falamos de alunos que se empenharam, que trabalharam para atingir um determinado nível e, sem saberem porquê, veem o seu esforço “morrer na praia” por um ponto percentual numa avaliação com méritos, a feita por itens, mas a que faltou uma mão humana na finalização. Parece ter-se perdido o contemplado no primeiro parágrafo do Prefácio do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, “criar um quadro de referência que pressuponha a liberdade, a responsabilidade, a valorização do trabalho, a consciência de si próprio…”.
Há ainda a considerar o facto de a plataforma de submissão de pedidos de reapreciação dos Pais/Encarregados de Educação, ainda que feitos completamente “às cegas”, ter estado inacessível entre dia 22, data limite de submissão, e dia 24 de julho, quando foi possível inserir os dados dos pedidos entregues, sem que tal tenha sido informado às escolas atempadamente. Problemas técnicos existirão sempre, mas a acumulação de falhas gera, queiramos ou não, desconfianças desnecessárias num processo de avaliação que deveria ser o mais transparente possível.
Termino com um apelo: que, face aos constrangimentos verificados neste primeiro momento de aplicação digital de avaliações externas finais, seja seriamente reconsiderada a sua aplicação ao Ensino Secundário. É que, Exmo. Senhor, se a desconsideração verificada com os alunos do 3º Ciclo poderá interferir “apenas” na sua autoestima, já no Ensino Secundário porá em causa o futuro académico dos alunos.
Agradecendo antecipadamente a atenção dispensada, despeço-me
Com os meus melhores cumprimentos,
Rui Curica.